Filosofia, ideologia, ética e conceitos afins

21 de julho de 2021 0 Por Cris Danois

Foi numa conversa aparentemente informal que surgiu uma discussão sobre os conceitos de ideologia, filosofia e doutrina para a construção da noção de Ética. Como filósofa e professora fiquei um pouco impressionada, visto que cada vez mais encontro pessoas, dentro da área do magistério, com um pensar limitado por ideologias que estão dominando politicamente nosso país. E quando as ideologias, políticas ou religiosas, determinam o pensar, este automaticamente se limita e passa a não ser uma construção individual e sim uma determinação imposta de cima para baixo por um grupo (sempre menor) sobre outro grupo (maior), cerceando a liberdade de pensar e agir de cada um.

A escola sempre foi um espaço de construção do conhecimento e da consciência e isso implica na possibilidade de livre escolha por cada indivíduo – direito inalienável do ser humano, independente de qualquer outra coisa – para decidir em que acreditar, ou mesmo saber, que é diferente de acreditar. A crença é de ordem religiosa institucional e impede crítica, crise, crescimento – elementos favoráveis à evolução, ao progresso. A crença é sempre um conjunto de conceitos que não se fundamentam na verdade, pois esta não precisa de defesa e se afirma por si só, ao contrário, a crença é um conjunto de ideias impostas para um determinado fim. Ora, há tempos Sócrates mostrou que quando se faz um discurso para se obter um determinado fim transitório, circunstancial e específico, se está incorrendo numa falácia que é o mesmo que uma mentira (ou inverdade, se preferir). Ele chamou esse grupo de pessoas de sofistas e o sofismo é uma forma de raciocinar falha, apesar de seguir as leis da lógica racional e linear. Nisso reside o perigo dos sofismas que mais confundem que esclarecem.

A liberdade é o bem supremo da humanidade, pois, no nível mais transcendente, tem-se até o direito de errar, reconhecer o erro ou não, redimir-se ou não e endireitar, se possível ou assumir as consequências. A justiça e toda a Filosofia do Direito garantem esse princípio. Entretanto, cada vez mais podemos observar a sociedade caminhando no sentido contrário, ainda que tenhamos exemplos históricos de sobra dos malefícios dessas ideologias, da imposição de crenças e sistemas totalitários (que na verdade são totalitários de cima para baixo, a partir de uma faixa social, nunca totalmente como seria de esperar!).

Mesmo no nível individual e psicológico, as correntes mais libertadoras de pensamento mostram os males das crenças limitantes que impedem o indivíduo de sair de círculos viciosos de pensamento. Crenças sobre riqueza, sobre relacionamentos, sobre saúde determinam o sofrimento ou a felicidade de cada um. Logo, temos que ter muito cuidado com as crenças que nada mais são do que um pensamento que se pensa reiteradamente, sem contestação contrária. A crença não é um dado a priori da razão, ao contrário, ela se estabelece a partir de uma ideologia que se aceitou, consciente ou inconscientemente, a partir da convivência numa dada sociedade.

As doutrinas, crenças ou conceitos semelhantes pertencem a sistemas totalitários políticos e religiosos institucionais (não tem a ver com a experiência individual de transcendência e religiosidade que é livre per si). E isso não se dá à toa, posto que esses sistemas visam o poder e o controle da maioria da população para se impor e perpetuar no poder. Se houver liberdade, haverá crítica que levará a um questionamento, que levará a uma crise e esta implicará numa mudança. E essa mudança pode se configurar numa derrubada do poder vigente por outro, ou numa reestruturação, mas não sem conflitos. Exatamente por isso, na República de Platão, o filósofo acaba por se condenar à morte ao afirmar que o poeta e o filósofo não poderiam existir numa sociedade onde se quisesse manter o poder eternamente, pois estes têm o dom do olhar crítico, distanciado e a eloquência que desestabilizaria qualquer poder imposto que não fosse calcado na verdade suprema do Ser, pelo questionamento das ideologias e crenças.

A dialética, método de conhecimento que considero o mais apropriado para se alcançar a verdade, permite através do processo de negação de uma tese, propor uma antítese que levaria a construção de uma síntese que novamente se converteria numa tese passível de ser negada por uma antítese. Assim, teríamos a possibilidade de chegar a verdade do ser e das coisas, evitando ao máximo o erro – a injustiça. Esse método opõe o senso comum à Filosofia, a opinião à verdade, o interesse particular ao interesse universal, o desejo à razão e assim por diante. Logo, podemos observar que as ideologias vigentes hoje com todo seu sistema de crenças privilegiam exatamente o oposto disso – estimulam a opinião, o senso comum, o interesse particular (grupos e fatias sociais criadas pelo sistema) e os desejos imediatos de cada um. As redes sociais, cada vez mais, revelam esse estado de espírito, além de serem fortemente manipuladas por esse sistema totalitário que, ao invés de promover a união de todos, divide a priori a sociedade em fatias e setores artificiais com interesse econômicos e/ou políticos.

Considerando que essa discussão seria quase que eterna, visto que no fundo trata da questão humana por excelência, ou seja, a busca da definição definitiva da verdade que passa pela resposta às tradicionais perguntas da humanidade – quem sou eu?, de onde vim?, o que estou fazendo aqui? – é preciso buscar uma solução parcial e temporária, mas que não feche a possibilidade de questionamentos e evolução. Portanto, a liberdade nesse sentido só pode ser salvaguardada se não tivermos sistemas fechados de pensamento, isto é, se não impusermos ideologias e/ou doutrinas, a respeito de qualquer coisa. Pode-se estabelecer leis, regras que orientem temporariamente o comportamento e as ações humanas, mas jamais deveríamos impor qualquer sistema que não permita uma nova visão ou uma renovação.

Grandes filósofos e pensadores conseguiram construir sistemas sociais que contemplam esse quesito básico – a liberdade. No entanto, outros, não tão filosóficos, constituíram sistemas parciais determinantes e impositivos e, malgrado à ignorância e a carência de saber formacional nas escolas, impuseram suas ideologias que não têm ajudado a ninguém, nem memo aos governantes que as impuseram, visto que o gasto para se manter uma falácia/mentira é muito maior que a manutenção da verdade que se mantém por si só.

A maior instituição religiosa política – a Igreja Católica e todas as suas variações – é um exemplo histórico dessa postura. Com a imposição de doutrinas e crenças, matou mais que qualquer sistema político contemporâneo a ela e atualmente, outros seguem o mesmo modelo social e politicamente. Ademais, a ideia de que a verdade pode estar escondida dentro de uma mentira é uma contradição inadmissível assim como a afirmação muito comum e popular – “eu sei extrair coisas positivas de coisas negativas”.

Enfim, esta pode ser (e é) uma longa e enriquecedora discussão, entretanto, para finalizar e darmos seguimento à vida, concluímos que o melhor é ter ideias mais abrangentes para nos ajudar a encontrar um ponto de equilíbrio que contemple a tudo e todos de forma a garantir a liberdade de pensar e agir, do que ideias limitantes. Assim, a Filosofia será sempre um norte para se libertar de crenças, doutrinas ou ideologias (pré) determinantes.