Poesia ontem e/ou hoje (?)
26 de março de 2013Estava assistindo um documentário sobre Carlos Drumonnd de Andrade ontem através da TV Brasil e nada me surpreendeu… realmente, ainda não entendem os poetas, e fazer documentário de artista é matá-lo. Sei que todo filme, toda interpretação é um recorte, mas… recortar a vida de um artista em uma hora e meia e querer dar conta não só do poeta mas de sua obra? Não conseguiram, como muitos não conseguem… são melhores os filmes romanceados, mas é preciso fazer um senhor enredo sobre o poeta ou artista e incluir pelo menos uma grande parte de sua obra! Poderia citar grandes filmes aqui, tais como: A morte de Federico Garcia Lorca, Modigliani, Tous les Matins du Monde, Frida, Amores de Picasso, Chaplin, Camile Claudel, Caravaggio, Pollock, As Sombras de Goya, Moulin Rouge, Rembrandt, O carteiro e o poeta, Sociedade dos Poetas Mortos, Poesia, Possessão, etc, etc…
Bem, o que me impressionou neste documentário sobre Drumonnd foi a única leitura adequada da poesia de Drummond, feita, é claro, por uma poetiza, Adélia Prado. Quando ela leu a poesia que ela escolheu, o sentimento transbordou pelas palavras, atravessou o vídeo e me atingiu… simples assim! Belo assim! poetas sabem ler poetas, com sentimento, com a verdadeira matéria e sentimento de que é feita a poesia. Muitos tentam interpretá-la e poesia não foi feita pra ser interpretada, senão, seria dramaturgia, peça de teatro… Outros tentam contar uma história não só acerca da poesia, mas transformá-la num pequeno conto, encenando trechos poéticos… triste tentativa, fica péssimo. Poesia não é conto nem romance. Quando falam da vida do poeta, buscam significados, situações, circunstâncias excepcionais que justifiquem o fato do poeta ser assim, poeta, e nada encontram, apenas a mesma vida simplória e cotidiana como de toda a gente. Quem conheceu Clarice sabe, que era uma dona de casa, esposa e mãe, como tantas outras, preocupada com o marido, os filhos, comida, casa, roupas… mas o valor transcendental de Clarice não estava à mostra, não se encontrava à vista e sim no seu interior, fervilhava dentro do ser dela mesma, em tamanha ebulição que transbordava em suas poesias e narrativas, e, para quem a conhecia de perto, pelos olhos. mas todo este significado e potencial não está na vitrine fácil do shopping, tem que ser descoberto e leva tempo. Daí a dificuldade hoje de se descobrir a essência das poesias e dos poetas, precisa de tempo! Não pode ser absorvido em minutos ou algumas horas… são dias, anos… é preciso se debruçar e esperar até que o significado venha, mas vale o tempo de espera. depois de alcançado, ninguém lhe rouba o tesouro e você ficou mais!
Carlos Drumonnd de Andrade viveu um romance especial em toda a sua vida, durante 30 anos, viveu uma vida de amante com uma mulher (não a sua esposa) extraordinária que soube compreender e alimentar o seu ser poeta. Mas o documentário nem mencionou isso. Censuraram a vida do poeta depois de morto, que hipocrisia! Falaram, en passant, das poesias amorosas e eróticas dele, mas não falaram da musa inspiradora, e isso ficou pior…. pareceu uma fraqueza dele, do tipo, “vejam, ele também escreveu algumas pornografias que nós censuramos para que vocês não se decepcionem com o grande poeta puro Drumonnd!”
As tais declamações interpretadas das poesias dele ficaram horríveis, canhestras, medíocres… e não adianta vir com o argumento de que para o povo isso basta e está de bom tamanho, que já não dá mais! Com a desculpa de traduzir todo conteúdo para o povo, o que se tem é a massificação de tudo, a mediocrização de tudo que é nobre… e eu nunca me conformei com isso, pois sempre houve povo e sempre ele consumiu o que era produzido por grandes poetas e artistas da época. Afinal, quem essa gente pensa que frequentava o teatro grego, a elite? Enganados; o teatro de Ésquilo, Eurípedes, Sófocles, Aristófanes e outros era assistido, absorvido pelo povo em geral, aliás, não havia tantas classes e categorias econômicas como existem hoje!
Mas, o que mais importa é que a poesia seja lida, lida e absorvida por quem deseja algo mais, quem deseja significado na vida, quem deseja decifrar o mistério da vida, quem almeja abrir os horizontes e romper fronteiras… quanto mais se lê poesia, mas as fronteiras são eliminadas, todas as fronteiras, entre homens, entre sociedades, entre países… Ler poesia também responde a existência cotidiana, ajuda a pensar as circunstâncias, promove o bem estar ao encontrar soluções, respostas para questões nossas, de poetas? não, questões humanas! A leitura da poesia deveria ser ensinada nas escolas, em momentos de prazer, deveríamos resgatar os saraus, as leituras coletivas, os grupos de estudos… enfim, em comunidade tudo fica mais fácil e é só começar.
E se não entendemos os poetas que nos antecederam, como queremos entender os verdadeiros poetas de hoje? O homem não pode se dar ao luxo de decrescer, de decair, de regredir; tem que avançar e isso não significa avançar apenas tecnologicamente, mas mental e espiritualmente. Temos que ser capazes de ler nossos pais, avós e bisavós com a mesma facilidade que nos lemos hoje! Debrucemo-nos sobre as obras tão férteis de nossos poetas, dos poetas de todo o mundo, belezas e verdades incríveis nos esperam. Leiamos mais poesia, evitemos as autoajudas, as análises, os ansiolíticos, os antidepressivos e outros remédios congêneres. Vamos conviver poesia, formar grupos, convidar amigos… vamos resgatar esse hábito saudável e não deixar que pequenos documentários satisfaçam nossa curiosidade, pois na verdade não satisfazem. Fiquem com uma poesia minha, do livro Ecos Eternos…