Fruto da Ignorância
10 de janeiro de 2023Infelizmente, o que se tem conseguido ao longo destas últimas décadas, particularmente em países emergentes ou sem desenvolvimento, os ditos países mais pobres, é um esvaziamento de todo o conhecimento alcançado pela humanidade, com a desculpas anacrônicas das legendas que marcam este século nefasto.
Julgar o passado a partir de ideologias do presente é mais que ilógico, é absurdo; quase insano pois essa atitude não mudará nada. A única coisa que se vai conseguir, e talvez seja este o propósito dos que engendram e mandam neste mundo, é dissolver os exemplos, os pontos de referência, o conteúdo que embasa e respalda o desenvolvimento que conseguimos alcançar até a presente data, ainda que com problemas e defeitos. Grandes inventores e cientistas da humanidade sempre aprenderam com seus erros. Não tentaram mudá-los, enganando-se ou dando desculpas a si mesmo. Edson que tentou 99 vezes criar o modelo ideal de lâmpada nos deixou mais que o seu invento – nos deixou a certeza de que é errando e aceitando como erro que se chega ao acerto, ao bom, ao ideal.
A história, a ciência, a teoria do conhecimento, a filosofia tem o seu percurso e é conhecendo este percurso que constatamos o que nos trouxe até aqui. Se estamos bem, se deu certo, ótimo, prossigamos. Mas se não foi bom, se deu errado, se destruiu, matou, torturou, cometeu atrocidades e injustiças , podemos mudar. Entretanto, recontar a história, demonizar o passado, execrar autores, cientistas, líderes e historiadores é burrice, não consigo encontrar outro termo que qualifique esta insanidade.
Se leio uma obra que retrata alguma injustiça social ou pessoal, seja de raça, gênero ou classe, ela retrata não apenas o pensamento de um escritor e nem mesmo que ele concorde. A literatura em geral sempre foi um olhar, um olhar crítico, um olhar denunciador de sua época além de também ser um olhar de alerta de “como e para onde estamos indo”! Não adianta cancelar, apagar, destruir, é patrimônio, é passado, foi feito, pertence ao legado que esta humanidade tem deixado para trás. E é isto que não se percebe, que deixamos para trás e seguimos adiante, tentando fazer melhor, tentando pensar melhor, tentando, compreender mais, criar possibilidade que dê conta de toda a diversidade na qual estamos mergulhados.
Vivemos numa extensa selva/floresta com uma diversidade enorme – micro e macrocosmicamente falando. O diferente é apenas isso – diferente. Não é modelo, não há modelos ideais, não há padrão, não existe apenas um padrão de pessoa, de corpo, de modo de ser – somos um mar de possibilidade, de seres, fractais de uma única onda. Querer ser único é perder a identidade e a expressão de ser neste mundo, é deixar de existir e fundir-se com algo que ainda desconhecemos e que alguns intuem.
O que ocorreu neste país no último fim de semana revela a consequência do esvaziamentos do conteúdo das escolas que começou na década de 70 e que veio aumentando e teve seu ápice no governo civil de um intelectual. Ele endossou e permitiu um esvaziamento absurdo com suas reformas insanas permitindo que a infância e adolescência ficasse “aodeusdará” da sociedade mal formada e até deformada, cheia de vícios e violências. E colhemos os frutos agora, nestes movimentos que ora são de um lado, ora são do outro de invasões e quebra-quebras sem sentido. Violência que gera violência e não cria nada pois o que destrói não constrói absolutamente nada no lugar. É um movimento sem cabeça, sem líder, sem ordem – uma horda, uma manada, um bando sem controle que invade patrimônios, seja público ou privado , sem nenhum objetivo a não ser o de destruir. Não reivindica nada pois não há discurso neste ato – apenas ruído, muito ruído! Por isso escrevo:
Não sou de esquerda
não sou de direita
nem mesmo sou de centro
sou pela Ética, pela Justiça
não sou petista
não acredito nem apoio partidos
sou pela democracia
sou pelo Estado Democrático de Direito
por mais difícil que seja
vivenciar isso
praticar isso
porque exige tolerância
porque pressupõe humanismo
porque ensina a convivência
nesta selva e mar de diferenças e diversidades!
Deixo escrito o meu repúdio ao ato insano, inconsequente, sem propósito que ocorreu em Brasília, DF. Quebrar qualquer patrimônio nunca foi solução. Vandalismo não resolve e só piora. Em pleno século XXI com todo conhecimento disponível, uma nação afunda em ignorância, sem argumentos, sem propostas, sem respeito algum pelo outro e por si mesmo. O patrimônio destruído é inestimável, não tem preço. Considero antes de tudo um crime à cultura como o incêndio do Museu Imperial, também fruto de descaso e dos desmandos deste país.
E agora José? como diria nosso grande poeta Drummond, e agora?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou
(…)
Você que é sem nome
Que zomba dos outros
(…)
Está sem mulher
Está sem discurso
Está sem carinho
Já não pode beber
Já não pode fumar
Cuspir já não pode
A noite esfriou
O dia não veio
O bonde não veio
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou
E agora, José?
NUNCA a nossa cultura pode ser atacada, destruída, criticada, desprezada, vilipendiada com a desculpa de um ato político, de uma reivindicação qualquer que seja ela!
Nada se consegue pela destruição violenta, por atos desprezíveis do gênero humano! O diálogo, o discurso, a narrativa e as instituições criadas para representar o povo são e serão sempre a possibilidade de representação e reivindicação, ainda que demore, ainda que custe o tempo da espera e da paicência.