“Construindo Certezas na Tempestade da Dúvida: Uma Viagem com Descartes”

18 de junho de 2024 0 Por Cris Danois

Artigo sobre a Dúvida Hiperbólica vs. Ceticismo Radical: O Duelo Filosófico de Descartes

por Cris Danois

A dúvida cartesiana é um conceito central na filosofia de René Descartes, explorado em suas obras principais. Eis alguns pontos de referência onde se pode encontrar discussões detalhadas sobre a dúvida cartesiana nas obras de Descartes.

1. Nas Meditações sobre a Filosofia Primeira.

Este é o texto mais importante para entender a dúvida cartesiana. Descartes apresenta e desenvolve sua dúvida metódica de forma detalhada, especialmente nas primeiras duas meditações.

 Na Primeira Meditação — aqui, o filósofo discorre sobre as coisas que se podem pôr em dúvida. Nesta parte, Descartes introduz a dúvida hiperbólica, onde ele começa a duvidar de todas as suas crenças sensoriais e das certezas anteriores. Ele introduz a ideia de que nossos sentidos podem nos enganar e até mesmo considera a possibilidade de um “gênio maligno” que nos ilude.

Na Segunda Meditação — nesta outra parte, sobre a natureza do espírito humano e que ele é mais fácil de conhecer do que o corpo, Descartes continua a explorar a dúvida, mas também encontra o ponto arquimediano do “Cogito, ergo sum” (Penso, logo existo), como algo que resiste à dúvida.

2. No Discurso do Método.

Neste livro, Descartes explica o método que ele utiliza para buscar a verdade, que inclui a dúvida sistemática como uma ferramenta fundamental.

Cito na quarta parte do método que Descartes discute como ele decidiu rejeitar todas as suas opiniões anteriores que poderiam ser duvidosas, para construir um novo fundamento baseado em certezas indubitáveis. É aqui que ele introduz a famosa fórmula do “Cogito, ergo sum”.

3. Em Regras para a Direção do Espírito.

Embora este livro seja menos focado diretamente na dúvida cartesiana, ele fornece um contexto metodológico importante sobre como Descartes pretende conduzir a investigação racional. Por exemplo:

Na regra segunda, ele discute a necessidade de evitar suposições e apenas considerar aquilo que pode ser apresentado à mente de forma clara e distinta.

4. Nos Princípios da Filosofia.

Este tratado é uma apresentação sistemática das ideias filosóficas de Descartes, onde ele também discute a importância da dúvida metódica.

Na Parte I — Dos Princípios do Conhecimento Humano — Descartes reforça a necessidade da dúvida metódica e a busca por fundamentos indubitáveis do conhecimento.

É notório e evidente que René Descartes desenvolveu uma abordagem inovadora para a filosofia através de seu método de dúvida. Em sua obra, ele distingue entre dois tipos de dúvida, a saber:

1. Dúvida Metódica (ou hiperbólica) e 2. Dúvida Radical ou Cética:

1. Dúvida Metódica (ou hiperbólica)

A dúvida metódica é uma ferramenta estratégica usada por Descartes para questionar sistematicamente todas as crenças até encontrar uma base indubitável para o conhecimento. É chamada de “hiperbólica” devido à sua aplicação extrema e abrangente, questionando tudo o que pode, de alguma forma, ser colocado em dúvida.

Este tipo de dúvida, ou categorização especifica que esta instrumentação hipotética é:

a) Instrumental: Esta forma de dúvida não é um fim em si mesma, mas um método para alcançar a certeza. Descartes não pretende duvidar de tudo permanentemente, mas apenas temporariamente, até que se possa encontrar uma certeza inquestionável.

b) Universal: Descartes aplica a dúvida a todas as suas crenças e percepções, incluindo aquelas que parecem mais óbvias e seguras.

c) Hiperbólica: Ele considera até mesmo cenários altamente improváveis, como a possibilidade de que um “gênio maligno” possa estar enganando-o sistematicamente.

d) Objetiva: O objetivo final da dúvida metódica é encontrar uma base sólida e indubitável sobre a qual se possa construir um sistema de conhecimento confiável.

Para ficar um pouco mais claro, citemos exemplos na obra de Descartes:

Na “Primeira Meditação”, Descartes duvida da veracidade dos sentidos e das percepções, considerando que estes podem nos enganar. Ele também questiona a realidade dos sonhos e a possibilidade de uma ilusão completa criada por um “gênio maligno”.

— A famosa frase “Cogito, ergo sum”, mostra, através da dúvida metódica, que Descartes chega à conclusão de que a única coisa indubitável é o fato de que ele está pensando, o que o leva ao famoso “Penso, logo existo”.

“Mas logo que penso que tudo é falso, é necessário que eu, que penso, seja alguma coisa. E, notando que esta verdade, eu penso, logo existo, é tão firme e segura que nem mesmo as mais extravagantes suposições dos céticos podem abalar, julgo que posso aceitá-la sem escrúpulo como o primeiro princípio da filosofia que buscava.” — (Meditações sobre a Filosofia Primeira, Segunda Meditação).

2. Dúvida Radical ou Cética

A dúvida radical ou cética vai além do método cartesiano e se refere a uma postura filosófica que questiona a possibilidade de qualquer conhecimento seguro. Essa forma de dúvida leva a uma posição de ceticismo radical, onde tudo pode ser eternamente questionado sem nunca chegar a uma certeza absoluta.

Tem como características o ser:

a) Fundamental: Diferente da dúvida metódica, a dúvida radical não busca necessariamente uma solução ou uma base indubitável. Em vez disso, mantém a dúvida como uma posição contínua.

b) Permanente: A dúvida cética não é temporária nem instrumental; é uma posição filosófica que pode levar a uma visão de que nenhum conhecimento é absolutamente seguro.

c) Destrutiva: Pode levar à desconstrução d(e todas)as certezas e, em última análise, à suspensão do julgamento sobre qualquer questão (epoché).

d) Cética: Está associada ao ceticismo filosófico, que questiona a possibilidade de obter conhecimento verdadeiro ou certeza.

Diferença da dúvida metódica:

Enquanto a dúvida metódica é usada por Descartes como um meio para chegar a certezas fundamentais (como o “Cogito”), a dúvida radical sustenta que tais certezas podem nunca ser alcançadas. A dúvida metódica de Descartes é um passo preliminar rumo ao conhecimento seguro, enquanto a dúvida radical representa uma posição filosófica de que tal conhecimento pode ser impossível.

De certa forma, ela responde aos Céticos, pois, embora Descartes reconheça o poder da dúvida radical em desafiar todas as nossas crenças, ele usa sua dúvida metódica para superar o ceticismo radical, mostrando que pelo menos algumas certezas (como a existência do “eu” pensante) são possíveis.

E, também, responde à possibilidade do Gênio Maligno visto que, apesar de inicialmente considerar a possibilidade de um gênio maligno, Descartes refuta essa dúvida encontrando um ponto de certeza no “Cogito”.

“Examinei com maior cuidado se não há algum Deus que me esteja enganando sempre; e, como não vejo qualquer razão para pensar que me engane, deduzo que a dúvida do cético, mesmo quando extremada, não pode jamais pôr em questão minha existência enquanto penso.” (Meditações sobre a Filosofia Primeira, Segunda Meditação).

Portanto, podemos concluir que:

Descartes usa a dúvida metódica como um procedimento filosófico estratégico para alcançar certezas indubitáveis, enquanto a dúvida radical representa uma posição filosófica cética que questiona a possibilidade de se alcançar qualquer conhecimento seguro. Ao empregar sua dúvida metódica, Descartes cogita responder e superar a dúvida radical, estabelecendo um fundamento sólido para a construção do conhecimento.

Observação: Este artigo é um resumo de um capítulo de uma monografia sobre descartes apresentada durante o meu doutoramento em Filosofia na UFRJ, portanto, não deve ser copiado, podendo ser citado com a referida fonte: “Além do Corpo: Explorando o Pensamento e a Existência com Descartes” de Cris Danois, julho de 1999, UFRJ, Rio de Janeiro.